Uma associação vimaranense leva os idosos às escolas para interagirem com as crianças. A RUM foi conhecer o projecto da CAISA que ensina a cuidar.
Os ponteiros do relógio apontam para as 16h30. À hora certa, o toque de campainha não engana. É o momento de receber a Dulce e a Vera na Escola Básica de Poças, que fica na freguesia de Airão Santa Maria, em Guimarães.
Para lá do portão, já se sente o entusiamo dos alunos do 1.º ciclo que todas as semanas se reúnem numa sala, sem professora, mas onde o saber ocupa lugar.
A Vera e a Dulce são duas técnicas da CAISA que contam, todas as semanas, com a ajuda de um idoso da freguesia para uma nova lição.
A Dulce é enfermeira, a Vera psicóloga. Ambas dão corpo ao projecto da associação vimaranense “Pequenos Cuidadores”, que pretende fomentar o contacto intergeracional levando às escolas pessoas idosas e sem ocupação.
Esta foi a forma que a CAISA encontrou de combater estereótipos relacionados com a terceira idade, estimular competências e incutir nos mais velhos a ideia de que são úteis e necessários na formação das novas gerações.
Agora, que já percebemos o objectivo dos “Pequenos Cuidadores”, voltamos à sala de aula, onde encontramos cerca de duas dezenas de crianças, a Dulce e a Vera, e a dona Sameiro Sousa. Hoje, é ela a convidada de honra da lição sobre Suporte Básico de Vida.
Sentada na roda que se forma no chão, como se não houvesse barreiras de idades, a dona Sameiro ouve atentamente tudo o que a Dulce vai explicando. E vai chamando a atenção o colega do lado, o Leonardo, para que não faça barulho e atente nas palavras da enfermeira.
Enquanto isso, a Dulce vai explicando, socorrendo-se do urso de peluche que dá corpo a uma vítima, como devem os mais pequenos agir numa situação de emergência. Durante cerca de uma hora ficaram ali ensinamentos sobre o que fazer quando uma pessoa perde os sentidos, como ligar para o 112 e que informações não devem ser esquecidas na chamada de emergência. A enfermeira Dulce explicou também os gestos que são necessários para os primeiros socorros, que podem valer uma vida.
“Assim vale a pena ser idoso”
Entretanto, batem à porta alguns convidados. Não é habitual, mas a vereadora da Acção Social e do Espaço Municipal para a Igualdade, Paula Oliveira, decidiu visitar a escola e conhecer de perto o projecto da CAISA. Não veio sozinha. Consigo trouxe o Provedor do Idoso, José Lopes, e o presidente da União de Freguesias de Airão Santa Maria, Airão S. João e Vermil, Marçal Salazar.
À RUM, a autarca não escondeu o “orgulho” que sente em projectos como este. “Este é um projecto que orgulha Guimarães, que procura o bem-estar dos idosos, a qualidade de vida e a intergeracionalidade. Promove uma série de competências que desde pequenos se vão adquirindo até ao ponto de salvarem uma vida”, enalteceu.
O olhar do provedor transparecia igualmente vaidade. “É um trabalho espetacular que está a ser feito nestas freguesias. Vê-se pela reacção das crianças e pelos adultos, que ficam encantados com isto. É esta alegria que nos leva a dizer: assim vale a pena ser idoso”, afirmou.
Foto: Daniel Fernandes
“Peço-vos que continuem, as pessoas sentem-se felizes”
Depois das visitas, a aula continua. Para estimular os mais novos, as duas técnicas preparam uma aula lúdica, onde a mensagem surge em forma de canção.
Em loop vão decorando que “pode haver um dia alguém, deitado no chão assim, que não abra os seus olhos perto de mim. Posso me aproximar, olhar à volta e depois, chamar ajuda. Ponho as mãos nos seus ombros, tento ouvir seu respirar. (…) Emergência 112 é o que fazer”.
A lição de hoje foi sobre Suporte Básico de Vida, na presença da dona Sameiro, que, aos 69 anos, preferiu investir parte da sua tarde no convívio com os mais pequenos.
A escola também já recebeu a visita da dona Suzana. Aos 89 anos, e com muito para contar, vestiu a pele de professora por um dia e a matéria foi a família.
Aos mais pequenos mostrou como se constrói uma árvore genealógica. A lição ficou tão marcada que, tempos depois, ainda todos falam desse momento. O entusiasmo em descobrir “quem esteve na barriga de quem”, uma descrição inocente própria de quem aos 6 anos se revê naquela árvore, é a prova disso.
“Não há melhor. Nós já não temos força, mas ainda conseguimos dar muitos bons conselhos”, garantiu Suzana Lima.
Se o momento marcou os mais pequenos, não foi menos importante na vida da idosa. “Fiquei muito feliz, porque eles agarraram-se todos a mim, parece que me levaram ao céu”, sublinhou.
O “calor humano” que aqueceu o coração da dona Suzana é o motivo que a faz deixar um pedido: “Peço-vos que continuem, as pessoas sentem-se felizes”.
Os “Pequenos Cuidadores” estão no terreno desde Fevereiro e, deste então, cumprem, semanalmente, a missão de ensinar a cuidar.
Uma tarefa árdua entregue a uma associação que, desde 2015, se dedica à sociedade, através de diferentes abordagens e públicos.
A directora técnica, Sílvia Oliveira, alerta para a necessidade de os mais pequenos “perceberem o que é o cuidar, o idoso e o cuidar do idoso”. Foi aqui o ponto de partida de um projecto que, há cerca de dois meses, cumpre esse desígnio.
“É um projecto intergeracional em que trazemos uma pessoa idosa em cada sessão, sempre acompanhado por dois técnicos da CAISA”, detalhou.
Os “Pequenos Cuidadores” actuam, até agora, junto de dois grupos: um de 1.º ciclo e outro de pré-escolar.
“No pré-escolar é algo mais lúdico, através do conto de histórias em que o idoso conta a história e traz uma mensagem sempre de respeito com o outro, de igualdade, amor e esperança. No 1.º ciclo, estamos a trabalhar competências mais específicas. Neste momento, o Suporte Básico de Vida e já trabalhamos a árvore genealógica”.
A morte foi também tema de conversa entre gerações. Numa abordagem lúdica, as técnicas da CAISA, com a ajuda de um idoso, explicaram aos mais novos as diferentes etapas da vida.
O projecto “Pequenos Cuidadores”, promovido em parceria com a União de Freguesias e a Escola, chega a 81 crianças da Escola Básica de Poças, mas, garante Sílvia Oliveira, “o céu é o limite”.
Já no final da nossa visita à sessão, asseguramos que a lição está bem estudada. Confirmando a inocência da infância, quando a pergunta pede para definir “idoso”, as respostas são simples e espontâneas:
“Os idosos são pessoas que existiram há muito tempo”
“São pessoas que têm muitas histórias para contar”
“São pessoas com carinho”
“São pais dos nossos pais”
E dizem os entendidos de palmo e meio que a Vera e a Dulce passam com distinção no teste deste acto difícil que é ensinar a cuidar:
“O trabalho da Dulce e da Vera é super fixe”
“Elas ensinam-nos coisas que nos ensinam a crescer e a viver”
“É fixe porque nos ensinam coisas para quando formos maiores podermos ajudar outras pessoas”
“Trazem pessoas que gostamos muito”
O projecto, esse, também leva nota positiva. Na voz da Matilde Martinho estão todos os outros que fomos ouvindo: “Acho que é uma boa coisa, não temos muitas pessoas velhas em casa porque já faleceram e é bom termos alguém com quem podemos conversar e aprender coisas”.
Estes pequenos cuidadores de pequenos têm muito pouco.
De Guimarães parte o exemplo de que o saber não tem idade. Crianças e idosos partilham a sala de aula, os ensinamentos e aprendizagens num projecto que prova que pequenos só em tamanho, porque a arte de cuidar não tem dimensão. São cuidadores de palmo e meio a dar pequenos passos para um mundo mais tolerante, mais justo e mais bonito.